segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

São Paulo - New York - Madrid

New York, New York.
New York, New York - Times Square.
E lá estava eu, na fila da Receita Federal, triste por estar partindo e deixando filha e esposa para trás, feliz por estar iniciando uma jornada que a muito tempo idealizei e agora estava se concretizando, transformando meu sonho antigo em nova realidade.

Nos poucos minutos de fila pude fazer um rápido resumo de tudo que me levou até ali. Se eu quisesse desistir esse seria o momento mais sensato dentre todos os momentos insensatos que já passei. Mas não posso desistir, nem agora, nem nunca. Se eu não fizer o Caminho ficarei com um sentimento de fracasso eterno, algo almejado do fundo do meu coração e nunca realizado. Minha alma não iria suportar tamanho peso, era preciso levantar a cabeça, ser forte e sempre seguir em frente.



Fiz uma promessa comigo mesmo, nunca desistir durante o Caminho, não importando com o que pudesse me acontecer, pelo que eu passasse ou enfrentasse, desistir não era uma opção válida.

Passei pela Polícia Federal e fui direto para o lounge da United Airlines no aeroporto de São Paulo.

De tanto viajar já peguei as manhas do que tem de melhor em cada aeroporto, e São Paulo é minha casa e o lounge da United de São Paulo é um dos que têm a melhor seleção de comidinhas e vinho a vontade.  Bebi vinho até não querer mais, assim garantia uma boa noite de sono.

O voo estava programado para sair por volta das 23Hrs, São Paulo direto para Newark, um total de nove horas de viagem. Antigamente achava isto um tempo enorme de viagem, hoje, já acostumado com as viagens de infinitas ~36 horas para Taiwan, já acho que é fichinha, logo ali sabe.

Desde o começo, quando decidi comprar a passagem para o Caminho de Santiago de Compostela, já queria que a escala fosse nos EUA e de preferencia em New York, mesmo sendo uma perna maior e uma viagem mais cansativa, para mim fazia muito sentido por causa do meu programa de milhagens e lógico por causa da cidade.

Love is Big!
Marcel in LOVE em NY - 2005.
New York é uma cidade muito importante na minha vida, morei lá entre 2004 e 2005, tive momentos incríveis de felicidade, mas tive também muitas desilusões. Aprendi muito com a Big Apple, aprendi a ser mais humilde pois trabalhava no que dava, de ajudante de garçon (bus boy) à andador de cachorros (dog walker), até chegar a gerente de marketing de uma empresa de telefonia Voip. De todos os trabalhos o que mais gostei era do de Andador de Cachorros, amava conviver com os animais e aquilo também mantinha meu físico em ótimo estado.

Nesta cidade meu ritmo era outro, eu andava todo dia de metro, trem e muito, muito mesmo a pé. Amava o clima da cidade, as pessoas, os cenários, a arquitetura, a arte, a história, me sentia privilegiado de poder ter acesso aquele lugar.

No começo morei no Harlem, bem no meio do Harlem, na 145 conhecida também como " The Heart of Harlem" (Coração do Harlem), no começo eu não achava um lugar ruim, mas a discriminação racial era super presente. Eu era provavelmente o único branco em um alcance de 04 quarteirões. Foi ali que eu descobri como é ser minoria, e como é ser moralmente descriminado pela cor ou aparência, algo que me marcou pelo resto da minha vida.

Com o tempo fui percebendo a quantidade de gangsters e traficantes que habitavam o lugar. Aquilo era barra pesada, mas eu ainda não tinha entendido o quanto era perigoso. Um belo dia voltando do trabalho me deparo com um amontoado de pessoas que estavam na saída do metro, ainda na escada elas se aglutinavam para ver algo. Saí já preocupado pois eu conseguia enxergar as luzes vermelhas piscando lá em cima do lado de fora, foi quando me deparei com o carro da Polícia de New York de ponta cabeça no meio da Broadway, literalmente do lado de casa. Era mais do que um sinal de que deveria mudar daquele bairro o quanto antes.

NYPD Down.
Na época usei a câmera do meu celular simplesinho em formato flip da Motorola,
a qualidade era ruim, mas deu para captar o momento.

Com a chegada do meu amigo Marcelo Prado em NY decidimos ir morar juntos em outro lugar da cidade. Ainda me lembro do Marcelo chegando em um Honda marrom, todo velho, caindo aos pedaços. O carro veio abarrotado de coisas, ele mal cabia lá dentro. Ele chegou numa noite quente bem no meio do verão Nova Yorquino. Ele arrumou tudo para nossa mudança do Harlem para o Queens. Sem ele ainda estaria em maus lençóis pagando caro por um quartinho de dois metros quadrados com gente que não estava nem ai para mim.

3 Monkeys
Juliana, Marcelo e Marcel no Metro de NY.
No começo foi barra, não tínhamos dinheiro para quase nada, estávamos quebrados pois todo o dinheiro que tínhamos usamos para sair do lugar onde estávamos e ir para um novo lugar. Até na comida economizávamos, comíamos o que dava, luxo era comer um hambúrguer do New Castle, uma verdadeira porcaria de fastfood. Mas estávamos juntos, sem deixar o outro na mão, isso era uma felicidade incrível, poder contar com um amigo de verdade em terra estranha.

Com o Marcelo sempre tive um relacionamento de irmão. Em NY ele apareceu em um momento importante na minha vida, me deu forças para prosseguir e virar o jogo. Devo a ele eternamente a ajuda que ele me deu por lá, e sempre que ele precisar vou ajudá-lo não importa o que for ou como for.

Foi também em NY que conheci a minha esposa, a Paula. Ela vinha somente para passear e conhecer a cidade, tinha um tal de curso que ela foi fazer por lá, mas não tomava muito o tempo dela. Nos apaixonamos muito rápido. O dia em que me despedi dela em NY foi muito difícil para nós dois. Ela não queria ir, e eu sabia que ela não podia ficar. Como foi difícil para mim dizer adeus para alguém que eu já sabia que eu amava.

Durante meses namoramos a distância. Foi terrível!

Logo depois de alguns poucos meses morando já no Queens, e com a convicção de que a distância da Paula e do Meu Pai (que vinha piorando de saúde) eram demais para mim, eu realmente precisava voltar.

Paula e Marcel na Ponte do Brooklin.
Eu e a Paula na Ponte do Brooklin. Nos apaixonamos neste dia
em cima desta ponte no ano de 2005. Como o tempo passa rápido!

Voltei para o Brasil, voltei a trabalhar na Intel em um cargo muito melhor do que quando havia saído, voltei a morar com meu Pai e a saúde dele melhorou, voltei para as pessoas que eu amava e que me amavam.

Casei com a Paula em 2006, nem dava para acreditar a quantidade de coisas que aconteceram ao mesmo tempo, NY foi mesmo um divisor de águas na minha vida.

Desde que voltei para o Brasil passei a sentir saudades constantes da cidade que nunca dorme. Sempre quando tenho a oportunidade dou uma passada por lá entre uma parada e outra das minhas viagens internacionais.

As vezes acho que fiquei com um pé em New York e outro no Brasil.

Desta vez seria duplamente especial, primeiro porque estava indo para a viagem dos meus sonhos, segundo porque queria passar em alguns lugares importantes para mim em NY para recarregar as energias e matar as saudades. Sabe Deus quando eu teria outra oportunidade de visitar NY novamente!

Hope NY
Em NY sempre existe
uma esperança!
Estavam no meu plano passar nos seguintes lugares:
- Catedral de Saint Patrick
- Andar pela 5a. Avenida
- The Pond no Central Park
- Sentar no gramado do Bryant Park

Eu tinha oito horas entre um voo e outro. Peguei o ônibus que sai do Aeroporto de Newark que custa apenas USD 15,00 e que me deixou no Porth Autority, fica bem no meio da muvuca da cidade, pertinho do Times Square.

Como eu tinha despachado minha mochila estava apenas com a pochete e isso ajudou bastante para me dar mobilidade e andar a vontade pela cidade.

Logo quando desci do ônibus já senti o calorão novaiorquino, cidade de extremos, parei na rua, apoiei meu pé numa dessas máquinas de jornal, que quase não existem mais, e tirei a parte de baixo da calça, assim fiquei de bermuda para curtir a cidade. Eita calça boa, super versátil, já vi que valeu a pena comprar ela, talvez devesse ter comprado mais uma. Entrei no primeiro Starbucks que vi e mandei um Frappucino Mocha Tall pra garganta, o calor estava insuportável.

Bryant Park in a hot day!
Bryant Park - Foi ótimo te ver novamente!
A primeira parada foi andar até o Bryant Park. Durante um bom tempo que morei em NY eu trabalhei em um escritório de um advogado chamado Moses Apsan, ele tinha um website que reunia a comunidade brasileira nos EUA. O escritório ficava pertinho do Bryant Park, na verdade dava para ver o Bryant Park pela janela da sala onde eu trabalhava. Todos os dias eu passava por lá, gostava da arquitetura da Biblioteca Municipal que faz fundo ao Parque e que sempre me lembrava de um filme que eu adorava quando era criança, Os Caça-Fantasmas. A entrada do filme, entre inúmeras cenas, foram gravadas ali e isto para mim na época era como reviver alguns momentos do meu filme preferido.

Lembro também que no verão a Prefeitura colocava uma tela gigante na frente do gramado e assim que anoitecia eles passavam um filme ao ar-livre. Era uma vibe muito legal.

Uma vez, um colega de trabalho meu chamado João Viana, me mostrou a estátua que está em uma das extremidades do pequeno parque, era de um Brasileiro, José Bonifácio da Fonseca. Fiquei impressionado com isso, era uma homenagem a um brasileiro ilustre, e era bem antiga a estátua. Sendo eu um imigrante em terra estrangeira ver aquela estátua ali todos os dias me dava força para continuar persistindo e batalhando mesmo longe da minha família e amigos da época.

Resolvi subir a 5a. Avenida até chegar ao The Pond. Esse lugar ainda é muito lindo, fica perto do antigo hotel The Plaza e da histórica loja de brinquedos FAO Shuartz que aparece em tantos filmes, inclusive no filme do Tom Hanks - Quero ser Grande (Big) onde eles fazem aquela famosa cena onde tocam o piano com os pés.

Este é um dos meus filmes prediletos, daqueles que posso assistir umas 100 vezes sem enjoar!

Dali resolvi voltar pela 5a. Avenida até chegar na Catedral de Saint Patrick. No meio do caminho acabei passando por várias outras igrejas, para quem não sabe NY é cheia de lindas igrejas, como a de Saint Thomas por exemplo que eu particularmente gosto muito.

Por cada igreja que passava eu entrava e rezava, pedia por proteção para meu Caminho e proteção para minha família que deixei no Brasil.


Saint Thomas ChurchUntitled

Igreja de Saint Thomas.

Na igreja de Saint Thomas foi legal, eu já gostava dessa igreja na época que morava em New York, se deixar ela passa desapercebida por quem está por lá. Desta vez o mosaico no chão da igreja logo na entrada foi mais visível para mim e fez muito sentido. Nele se encontram escritas as seguintes palavras:

PEACE ON EARTH TO MEN OF GOOD WILL
PAZ NA TERRA PARA O HOMEM DE BOA VONTADE

Peace on Eath To Me Of Good Will

Isso era revigorante, afinal estava eu prestes a começar a uma peregrinação, minha missão era de paz, mas de paz comigo mesmo e mesmo não sendo algo puramente de essência religiosa eu me considero um homem de boa vontade. Mexeu comigo.

Acho que a mensagem vêm também para aqueles que de alguma forma procuram um mundo melhor, afinal ela só existe de verdade para aqueles que são bons de alma e coração.

Bem... a fome bateu, e bateu forte! Era hora de procurar algo para comer e como não podia ser diferente aproveitei a ocasião para comer algo rápido, barato e que não ia acabar com meu estomago.

Fui no McDonalds e lasquei um Combo #1!

In The Mac the Black is Back.
Última refeição em um McDonalds antes do Caminho.
Foi chique! Foi em NY! ;oP

Saí do McDonalds e andei mais um bocado pela 5a. Avenida até chegar no meu destino principal em NY, a Catedral de Saint Patrick.

Saint Patrick Cathedral
Entrada da Catedral de Saint Patrick em NY.
Dentro da Catedral algo diferente me aconteceu,  por algum motivo que não sabia explicar fui tomado por um sentimento enorme de paz, acho até que minha pressão baixou, vai ver era o calor, mas tinha algo mais, uma espécie de mão no ombro, parecia que tinha alguém comigo ali me ajudando, caminhando comigo e me dando apoio para dizer que tudo vai dar certo.

Logo quando entrei na Catedral, como sempre faço em qualquer igreja, ajoelhei em um dos cantos do corredor principal que dá no altar me apoiando nos últimos bancos e fiz o sinal da cruz. Andei até a frente e sentei entre os primeiros bancos. Fiz uma dezena de orações para diferentes santos, pedi proteções para mim e para minha família, e principalmente pedi ajuda para fazer o Caminho até o fim.

Fiquei sentando um bom tempo, observando os detalhes arquitetônicos do lugar, as obras de arte, as pessoas passando e tirando fotos, pessoas rezando. Fui me emocionando com a situação.

Resolvi levantar, andar pela Catedral, ver cada um dos altares laterais reservados aos santos, quem sabe eu não encontrava um altar para Santiago?!

Notei que muitas igrejas e catedrais hoje em dia não usam mais velas nos altares, agora usam uma caixinha com pequenas lampadas de LED que se acendem quando você deposita algum dinheiro. Na Catedral de Saint Patrick ainda não é assim, as velas estão lá cumprindo seu papel, mantendo uma tradição milenar, melhor assim pensei.

Quando já estava desistindo de encontrar um altar para Santiago encontrei o altar de São João, lá estava uma placa que contava resumidamente quem foi João, ele que junto com Santiago foi um dos primeiros apóstolos de Cristo. Irmãos pescadores ambos após a morte e ressurreição de Cristo foram levar as palavras cristãs para outros lugares do mundo, João foi para Jerusalém e alguns relatos indicam que ele chegou a ir até a Asia. Quanto a Santiago ele se dedicou a região que hoje conhecemos como Espanha e Portugal, mais precisamente na região da Galícia.
 
Saint John, brother of Saint James


Depositei ali mais uma oração.

Incrível como que no Brasil eu simplesmente não ia mais a igrejas, nem rezar mais eu estava rezando e agora estava tomado por este lado religioso. Seria pressão da ocasião?

Opa! Já era hora de voltar para o aeroporto.

Voltei para o Port Authority, para o exato local onde o ônibus que me trouxe me deixou. Fiquei um tempão ali esperando o ônibus aparecer e nada, foram quase 45 minutos ali, pensando que o ônibus deveria passar por lá novamente, certo!? Errado! Foi só quando resolvi me mexer e procurar mais informações de onde saia o ônibus que descobri, já dentro da estação, algumas placas indicando de onde o ônibus saia para o aeroporto de Newark. Que burro!

New York before Madrid
Bye Bye New York! Sabe Deus quando vou te ver novamente!

Dentre todas as visitas faltou visitar a ponte do Brooklin, onde eu e a Paula nos apaixonamos, mas o tempo ficou curto, infelizmente não dava mais, ficou para a próxima vez, talvez com ela para ser mágico.

Sabe, foi muito bom passar por NY novamente, rever a cidade, visitar alguns lugares e alimentar algumas lembranças, mas era hora de partir e voltar para meu foco principal que era a concentração para enfrentar o Caminho de Santiago.

1 foto por dia - Foto #1
1 foto por dia - Foto #1
Quando cheguei de volta ao aeroporto fui correndo para o banheiro, estava super apertado, queria ter tomado um banho no lounge da United, mas estava tudo lotado inclusive com agendamento para as próximas 03 horas, simplesmente não ia dar tempo. Mesmo assim resolvi começar ali algo que já estava na minha mente, tirar uma foto minha por dia, assim ao final da jornada seria possível ver minha transformação já que estava convicto que durante o Caminho não faria a barba ou cortaria o cabelo.

Era chegada novamente a hora de partir, pegar outro voo longo, desta vez mais oito horas me aguardavam, saindo de Newark por volta das 20Hrs e chegando em Madrid no dia seguinte as 10Hrs da manhã. Como me cansei muito durante a visita a New York o sono não seria um problema.

Estava exausto de tanto andar naquele calor escaldante da metrópole, encostar em algum lugar e descansar não seria um problema.

To Madrid UA62

O voo saiu no horário e eu simplesmente capotei. Não me lembro de ver janta ou café da manhã, quando acordei já estávamos nos preparativos finais para descer em Madrid.

Nossa! Andar por New York deu certo! Fica a dica!

Comigo eu carregava uma pastinha de plastico fina, dentro dela uma série de documentos. Eu tinha um grande receio de ser barrado na imigração espanhola. Nos nove meses que precederam minha viagem por inúmeras vezes escutei no rádio e na TV que brasileiros haviam sido barrados de entrar na Espanha e foram deportados de volta para o Brasil.

Isto seria uma das piores coisas que poderiam acontecer comigo! Nadar nadar e morrer na praia!

Me preparei muito bem para este momento, carregava comigo meus últimos três holerites, meu imposto de renda, três seguros viagens que eu tinha, um do meu cartão de crédito da United e dois para cobrir o final da viagem na Espanha e o começo da viagem na França, cópia da minha carteira de trabalho, cópia do meu extrato bancário dos dois bancos onde tenho conta e uma cópia de cada cartão de crédito que eu estava levando comigo comprovando que estavam pagos e com crédito sobrando para fazer a viagem. Outro ponto fundamental era mostrar que estava levando comigo $ 1.500,00 Euros para cobrir as despesas da viagem.

Estava pronto, desci do avião e me encaminhei para a imigração Espanhola, chegando lá prontamente entreguei meu passaporte e enquanto ia pegando a pastinha com os documentos o oficial que estava sorrindo e conversando com o parceiro na cabine ao lado já estava me entregando o passaporte com o carimbo de entrada.

UntitledO que!!!! Como assim???
Foi super fácil! Nem me perguntou se eu estava lá para viagem de turismo ou negócios.

Segui em frente feliz da vida!

Me dirigi para a área de bagagens e ali mesmo na área onde elas chegam eu tirei o plastico verde que envolvia e protegia minha mochila, já queria sair com ela nas costas.

Assim que sai no desembarque deveria encontrar um táxi qualquer e me direcionar para a estação de trens de Atocha, mas antes queria garantir o meu SIM Card espanhol.

A decisão de pegar uma linha de celular espanhola pré-paga era essencial para alcançar alguns objetivos:

1 - Precisava me isolar do mundo, com um telefone local ninguém saberia como me contactar e isto garantiria meu isolamento forçado;

2 - Queria ter um telefone com acesso a dados pois o aplicativo do Caminho as vezes fazia atualizações e isto era importante, bem como o fato de poder usar Skype ou mesmo usar algum instant message caso precisasse falar com alguém ou deixar uma mensagem;

3 - Os custos de ligações seriam bem mais baixos. Só a Paula ficou sabendo deste número, e com ele eu ligaria para ela todos os dias sempre que houvesse sinal de celular, então uma linha local era definitivamente necessária para diminuir a probabilidade de não pegar sinal em algum lugar durante o Caminho.

Encontrei uma barraquinha dessas que vendem cartões pré-pagos para celulares logo no desembarque do aeroporto. Me aproximei mas não tinha ninguém ali, estava fechada com uma corrente e um cadeado.

Já estava convencido de que por ali não ia encontrar nada quando um cara baixinho de terno amarrotado de longe começou a me chamar. Ele me perguntou se eu procurava por um cartão de celular pré-pago para usar na Espanha, eu prontamente disse que sim, porém achei muito estranha aquela abordagem.

Ele insistiu que venderia um cartão da Vodafone para funcionar pelo tempo que eu queria.

Eu precisava de trinta dias de telefone, mas como ele ia me vender isso assim, sem ter acesso a nenhum sistema. Tava muito estranho.

Mesmo assim ele insistiu, tirou um SIM Card da Vodafone do bolso do paleto e queria colocar no meu iPhone a todo custo. Eu disse que meu iPhone era micro SIM e ele tirou uma tesoura e cortou o SIM Card na raça, pediu meu iPhone e colocou dentro.

Putz!!! Ai pensei que ele até ia conseguir me vender, foi quando perguntei quanto ia sair, então ele me disse que sairia por $200,00 Euros. O QUÊ! Nem ferrando que eu ia pagar tudo isso, era muito dinheiro, até uns $100,00 Euros eu topava, já tinha lido algo sobre ser por volta deste valor, mas mais do que isso não era um bom negócio, muito menos o que ele estava pedindo.

Fiquei mais encanado ainda, este cara com certeza quer me passar a perna.

Eu disse que se ele conseguisse me mostrar que meu telefone estava carregado com $200,00 Euros eu pagava, caso contrário não compraria.

O baixinho ficou p da vida! Se mostrou indignado e me disse que se ele estava dizendo era para eu acreditar nele. Eu disse que acreditava nele, mas precisava checar quanto foi carregado. Ele olhou para mim, olhou para meu telefone, tirou o SIM Card e foi embora. Simples assim!

Era mesmo um vigarista tentando tirar vantagem dos turistas desavisados. Que filho da mãe!

Bem, depois disso fui até o banheiro que fica logo ao lado do desembarque, precisava tirar dinheiro da pochete que ficava por dentro da roupa, teria que pagar o táxi que ia pegar.

Fui para o lado de fora do terminal de desembarque, encontrei uma fila de táxis, entrei no terceiro da fila. Um senhor de estatura média, meio gordinho, de cabelos brancos, usando óculos de grau forte e armação grossa preta com um remendo de durex no lado direito prontamente saiu do táxi e abriu o porta-malas para mim. Guardei minha mochila lá e entrei no táxi.

Marcel: Vamos para a estação de trem de Atocha.
Taxista: Atocha, pois não.

Marcel: Quanto vai custar?
Taxista: uns $50 Euros.

Marcel: Pode tocar então. Quanto tempo deve levar?
Taxista: normalmente uns 30 minutos.

Durante o percurso fomos conversando até que ele me perguntou o que eu estava fazendo na Espanha.

Taxista: Porque você está na Espanha?
Marcel: Vim fazer o Caminho de Santiago.

Taxista: Peregrino! Você é um Peregrino então.
Marcel: Bem... agora eu sou um Peregrino.

Taxista: Fiz o Caminho no final da década de 70, foi muito difícil, levei quase quarenta dias para terminar.
Marcel: Nossa!!! 40 dias!!! Eu me planejei para terminar em 28 dias.

Taxista: É possível, mas é apertado demais, vai ter que andar muito por dia.
Marcel: E como foi o Caminho para o Senhor?

Taxista: Foi algo muito especial. Olha, você deve levar frutas secas e amêndoas para comer durante o caminho, leve também dois tênis e troque as meias no meio da caminhada. Aaaaa um par de meias novas no meio da caminhada ajuda muito. Cuidado com a água, beba em pequenos goles ou arranje um canudo.
Marcel: Obrigado pelas dicas. Mas quando o Senhor terminou o Caminho como se sentiu?

Taxista: Me senti realizado, em paz, com grande vontade de viver ainda mais, eu era jovem e aquilo mexeu comigo sabe. Muito do que aprendi no Caminho carrego comigo até hoje, era uma sensação de liberdade extrema e ao mesmo tempo de grande responsabilidade afinal você está fazendo um caminho santo, existe muita energia neste Caminho, você deve aprender a respeitar esta energia.
Marcel: Puxa! Não sei nem o que dizer.

Taxista: Olhe, já estamos chegando em Atocha, quando sai seu trem?
Marcel: As 15:05Hrs em ponto.

Taxista: Pois bem, saia da estação e ande por aqui na via central, tem lugares lindos aqui como o museu do  Prado e ainda não é nem meio-dia, aproveite para conhecer um pouco de Madrid, é uma cidade linda.
Marcel: Obrigado pelas dicas novamente. Gostei da conversa!

Então cheguei na estação de Atocha em Madrid, saí do táxi  apertei a mão do taxista e disse um alto e sonoro "Gracias Señor!", e ele me respondeu com um "Ultreya Conchero!", fiquei contente pacas!

Atocha - Main Train Station
Atocha - Madrid - Olha os Taxis logo alí em baixo, mas o meu Taxista
me deixou na parte de cima de frente para aquela torre do relógio.

Do lado de fora a estação de Atocha não têm nada demais, é bonitinha, do lado de dentro é bem espaçosa, de cara desci umas escadas rolantes que davam de frente para uma área de descanso, um galpão enorme, coberto, com uma área central cheia de plantas, bem verde, lindo de morrer com um café logo em baixo. Na parte da frente desta área verde tinha uma espécie de lago artificial com peixes, notei que muitas famílias iam lá para passear.

Untitled
Atocha - Primeiro pavimento interno.

Desci mais um nível onde o movimento da estação realmente se encontra, me pareceu meio largada, o aeroporto de Barajas me deu a mesma impressão, mas tudo funcionava e isto é o mais importante.

Entrei na estação para ver direitinho como era tudo, por onde deveria ir, o que tinha lá dentro, conhecer o lugar para quando eu voltar da caminhada por Madrid eu já saber por onde devo ir assim não perco muito tempo.

Existe um corredor com lojas e restaurantes, encontrei um restaurante com nome bem peculiar, chamava-se Foodíssimo, apesar de soar como um palavrão na língua Portuguesa na verdade era a junção de Food (comida em inglês) com "íssimo" para denotar que era algo mais, algo especial. Curti o letreiro e o nome espontâneo do lugar e tirei uma foto pois tinha certeza que muitas pessoas simplesmente não iriam acreditar nesta estória.

Untitled
A comida aqui é Foodissima! Pelo menos é o que letreiro diz.

Continuei andando por este corredor cheio de lojas até que encontrei uma loja de aparelhos eletrônicos e celulares, de cara pensei que ali talvez pudesse ter o Cartão SIM pré-pago. Entrei e fui atendido por um cara de meia idade, branco, cabelo grande encaracolado tipo black power.

Marcel: Vocês têm cartão pré-pago para celular?
Atendente: Temos sim, da Orange.

Marcel: Bem... preciso usar por 30 dias, como funciona.
Atendente: Você dá uma carga de $30 Euros e têm direito a usar estes créditos durante um mês, se quiser usar a internet eles te dão até 1GB para baixar na semana e te cobram $15 Euros por isso.

Marcel: Então se eu quiser usar por 30 dias vou precisar de uns $60 Euros, o resto é para mim usar em ligações para celulares.
Atendente: Correto!

Marcel: Quero colocar $100 Euros, tudo bem?
Atendente: Sem problemas, eu coloco aqui no sistema da loja e já vai aparecer um SMS no seu celular com o valor de crédito imputado no cartão.

Ele me deu o cartão SIM, eu paguei com cartão de crédito, ele me emprestou uma tesoura e eu cortei o cartão SIM para entrar no padrão do meu iPhone que era Micro SIM. Cortei, coloquei e funcionou, de cara já apareceu a mensagem SMS com o crédito de $100 Euros.

Marcel: Sabe, um cara tentou me vender um da Vodafone no aeroporto de Barajas por $200 Euros.
Atendente: Era um ladrão, está cheio destes tipos por ai, se te pegam desprevenido você acredita neles e acaba perdendo seu dinheiro.

Agradeci pelo atendimento e me dirigi para a saída do terminal de Atocha, era hora de ver um pouco de Madrid antes de embarcar no trem para Pamplona.

Subi uma rampa e sai perto de uma rotatória, como o taxista mencionou o Museu do Prado queria muito conhecer, passar em frente, vi uma placa com o nome de Paseo Del Prado, só podia ser por ali.

Quando fui atravessar a rotatória percebi que os faróis possuem também uma sinalização sonora direcionada para quem está atravessando a rua, isso deve ser para ajudar pessoas com deficiência visual, o som parece de um pássaro cantante, mas um pássaro cantante bem chato porque o som depois de algumas ruas já era irritante.

Estava fazendo um calor forte, o Sol do meio-dia já vinha batendo na minha cabeça e a mochila com seus 10Kg não ajudava em nada a refrescar.

O Museu do Prado era logo ali, achei a arquitetura dele muito bonita do lado de fora, mas com receio de não poder aproveitar bem o museu, e o fato de estar de mochila, resolvi não entrar e deixar isto para depois do Caminho, afinal planejava ficar em Madrid por dois dias se conseguisse terminar o Caminho dentro do meu planejamento de vinte e oito dias.

As estátuas do lado de fora eram bem legais, a de Goya e Velazquez me chamaram bastante a atenção pois amo arte e principalmente a arte que ambos praticavam em sua época, grandes gênios da pintura com idéias incríveis, muito afrente de seu tempo.

Velasques - Museo Del Prado - Madrid Goya - Museo Del Prado - Madrid


Continuei subindo pela avenida, cheguei em outra rotatória, o calor e o peso da mochila estavam me matando. Abaixo a segunda foto da série de fotos que eu me comprometi em tirar uma por dia:


1 foto por dia - Foto #2
1 foto por dia - Foto #2.

Dá pra ver bem como eu estava cansado das duas viagens de avião. Porém algo mais já me atormentava neste momento, era a fome, estava na hora de parar, tomar algo, comer algo e como quase como uma miragem no meio do deserto um maravilhoso Starbucks apareceu na minha frente!

Starbucks in Madrid
Cara! Este rango foi maravilhoso!

Agora de barriga cheia podia andar mais um pouco por Madrid antes de retornar para a estação de Atocha. Resolvi seguir pelo Paseo Del Prado para ver no que dava, marcando o tempo para não perder literalmente o trem.

A avenida era muito linda, muito verde em todo o lugar, super bem cuidada, a cidade é um brinco!

Esta avenida era linda, entre a rua e a calçada existia este espaço verde, como um parque linear, com bares que apareciam de vez em quando, bem estilosos.

Me deparei com outra rotatória, e com a imponência de uma construção toda branca, super detalhada, linda, era o Palácio das Comunicações da Espanha.

Madrid - Palacio de Comunicaciones
A cidade de Madrid é um brinco de tão linda que é!

Continuei subindo pela avenida, estava deslumbrado com a beleza daquela parte da cidade.

De repente encontrei esta estátua linda de Botero no meio da calçada!

Botero em Madrid
Olha ela ai tomando aquele Sol!

Andando um pouco mais me deparei com um mapa do centro da cidade de Madrid. Não sabia, mas já estava no centro da cidade. Poxa, até que andei bem! Dei uma rápida olhada, e percebi que já era hora de voltar, afinal não podia brincar com o tempo que eu tinha disponível, trem sai no horário certinho, se eu atrasar um minuto perco o trem mesmo.

Madrid - Centro Ciudad - Mapa
A estação de Atocha são esses dois retângulos na base do mapa,
eu estava bem no centro, na circunferência vermelha no mapa.

Na volta senti meus pés começarem a doer, tinha andado bastante com a mochila e o Sol estava super forte, resolvi ir bem devagar para não me machucar, estava preocupado em acabar me machucando antes de iniciar o Caminho de Santiago.

Quase chegando em Atocha me deparei com uma manifestação pública. Não sei o que era, nem onde era exatamente, nem o que estavam revindicando só sei que fiquei parado naquele local assistindo aquilo por um certo tempo.

Manifestação em Madrid
Faziam uma barulheira, mas tudo era organizado.
Várias pessoas iam chegando do nada, com bandeiras da Espanha e pandeiros e apitos. Devia ser alguma manifestação de cunho político ou mesmo algum tipo de protesto pelo difícil momento econômico que o País vêm enfrentando. Naquele momento mais de 25% do país estava desempregado, esta era uma das maiores taxas de desemprego de todos os tempos, a Espanha estava sofrendo demais com a crise européia e a população tinha todo o direito de reclamar.

Andei mais um pouco e cheguei novamente em Atocha. Tinha ainda uns 45 minutos sobrando, me dirigi a um painel gigante com todos os trens que partiam e os que chegavam a estação, o meu para Pamplona já estava lá.

Me dirigi então para o terminal indicado e fiquei lá dentro esperando pela indicação de qual portão dentro daquele terminal eu iria embarcar.

Neste momento peguei meu iPhone e comecei a assistir o vídeo que fiz da Juju no Brasil algumas semanas antes de embarcar para Santiago. A saudade da Juju já batia forte, assim como da Paula, do meu Pai e das minhas cachorras. Acho que assisti o vídeo abaixo umas cinco vezes, chorei pacas, até que apareceram as pessoas da RENFE para iniciar o embarque do trem para Pamplona.


Amei Madrid, te vejo na volta!
Próxima parada Pamplona!

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